MARIA FLOR – revista V

NATURALMENTE FLOR

Nesse ano Maria Flor dividiu a cena com Anthony Hopkins, em Londres, no filme 360, dali a pouco estava no Xingu com os índios, depois criou um documentário sobre imigrantes brasileiros – e em qualquer lugar, até nesta entrevista, a espontaneidade é a sua força

Por Cristina Ramalho Fotos Lucas Bori

De uma coisa ela estava certa: não ia bancar a brasileirinha tímida diante do Anthony Hopkins. Ué, só porque era o Anthony Hopkins, o Hannibal Lecter, o Sir condecorado pela Rainha Elizabeth? “Ele só tem mais experiência, mais dinheiro e é mais famoso, mas é um ser igual a mim. E como disse a minha mãe, ‘se ele for um babaca você sai dizendo: gente, o Anthony Hopkins é um babaca’”, fala rindo Maria Flor, a atriz dessa história. Ficou um mês pensando em como seria trabalhar com ele lá em Londres, nas filmagens de 360, de Fernando Meirelles. “O pior é que não tinha como eu conhecer ninguém que já conhecesse o Hopkins para eu perguntar antes: e aí, o cara é gente boa?”

Então em março desse ano eles finalmente se encararam em cena: de um lado, Maria Flor, 28 anos, carinha de 18, 48 quilos, 13 longas, primeiro papel falado em inglês. No outro, Sir Anthony Hopkins, 73 anos, 119 filmes, 1 Oscar de melhor ator, 1,74m de verve britânica, filmando em casa. No script, ela é uma brasileira que tenta a vida em Londres com o namorado, acaba sendo traída e volta para casa num vôo com escala nos Estados Unidos. Hopkins faz o homem mais velho que perde o contato com a filha por uma traição, e fica tocado ao encontrar casualmente Maria Flor no avião. Cada gesto, cada olhar tinha de ser delicado e intenso, neste filme feito de encontros e desencontros. Sim, Hopkins era gente boa. E ela se saiu muito melhor do que a encomenda. “Tempos depois o Anthony Hopkins me mandaria um email elogiando a beautiful and talented little Maria”, contou Fernando Meirelles no blog que criou com um diário das filmagens de 360.

Veja você, é só a vida mandar uma prova e a pessoa passar com louvor que logo vem outra. E pode ter cara de mais fácil, mas por qualquer razão ser mais cabeluda. Não demorou três meses Maria Flor se veria diante de Xuxa num estúdio no Rio, na gravação da abertura da série global As Brasileiras. Aí Maria quase despetalou. “Eu sou da geração que amava a Xuxa. E ela é surreal, né? Idolatrei a Xuxa todos os Natais da minha infância, é uma coisa assim meio Michael Jackson”. Não conseguiu nem contar para a Xuxa que anos atrás, quando era uma meninota de dez anos, Maria foi ao set de Lua de Cristal visitar o pai, o técnico de filmagem Renato Calaça. Ele apresentou as duas, conversaram um pouco, e a pequena Maria, na hora de ir embora, sapecou intimidade com a estrela. “Eu gritei: tchau, Xuxa, adorei te conhecer!”.

Afinal, estava em casa num set. Brincava de boneca nos intervalos dos takes. Com 7 anos, lembra-se, já acompanhava o pai numa filmagem em Paraty. A mãe, Marcia Leite, era roteirista da TV Globo, e hoje namora um homem de cinema, Glauber Viana. Até poucos meses Maria também esteve casada com um assistente de direção, Felipe Constantino. Com essa genealogia de estúdio, não admira que ela pareça assim tão espontânea nos filmes, nas novelas, como a assustada Taís de Belíssima, ou soltinha da Silva na minissérie Aline, entre dois amores. Estreou num longa aos 18 anos, Diabo a Quatro, de Alice Andrade, fazendo uma prostituta, e de cara ganhou os prêmios de melhor atriz nos festivais de cinema de Cuiabá, Paraty e Manaus. “Era um papel bizarro para alguém de 18 anos. Mas para mim o set era totalmente natural, não tinha o ai, que medo”, ela conta.

Filme nunca mais faltou. Um convite atrás do outro. Fez ainda neste ano Xingu, de Cao Hamburger, sobre os irmãos Villas-Boas (ela interpreta a mulher de Orlando, papel de Felipe Camargo). Passou 15 dias no Jalapão (“Lugar maravilhoso”) e depois no próprio Xingu, onde se embrenhou entre os índios, teve o corpo pintado, dormiu numa oca. “Foi genial, emocionante, dormíamos todos juntos, comi a comida deles, vivi ali, com aquelas índias que não falavam português e corriam da gente”, ela conta animadíssima, num aconchegante café na Gávea, no Rio, onde deu esta entrevista para a V, pertinho da sua casa. Voltava da primeira leitura de um novo roteiro, seu próximo filme, comédia adaptada de um conto de Guimarães Rosa que só tem gente fina no elenco: Caio Blat, Milton Gonçalves, Ana Lucia Torre, Vera Holtz.

Fernando Meirelles, que se encantou com ela como a Bel no longa Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, e já havia dirigido Maria Flor na minissérie Som & Fúria, anteviu sucesso internacional para a moça, “uma das melhores da sua geração”. Muitos apostam que ela será uma nova Alice Braga, toque tropical inteligente em Hollywood. Maria não parece pensar nisso. “Se pintar um convite lá fora vou ficar amarradona, vou fazer com a mesma seriedade que eu faço aqui, mas não é o meu projeto de vida ser internacional. Bom, não tenho muito projeto de vida”, ela fala rasgada em sorriso. Pequenininha, cara de boneca, pinta de boneca, um doce de pessoa, Maria Flor não faz alarde. A espontaneidade é a sua força. Até quando vai citar alguém que admira (uma lista longa, que vai de Bergman a Coppola), escolhe Diane Keaton porque “ela é autêntica, bacana”.

Maria é boa ouvinte e, quando abre aquele sorrisão convidando a compartilhar do seu instante, deixa as pessoas tão à vontade que é como se fosse uma velha amiga. “Sempre fui quieta, na minha, mas não tímida. Eu encaro, sou aberta, e tenho uma curiosidade por tudo”. Cabem todas as gerações na sua turma. É amiga de Andrea Beltrão, Vera Holtz, Cassia Kiss Magro, todas com idade para ser sua mãe – que, por sinal, é uma de suas melhores amigas.

A conversa com a mãe sempre foi tão aberta que deve ter brotado daí a naturalidade da filha. Foi Marcia quem mostrou o primeiro livro que sacudiu Maria, na flor dos 13 anos: Capitães de Areia. Mexeu com seus instintos. “Aquela coisa do (personagem) Pedro Bala com a Dora, aquela sexualidade latente como tudo do Jorge Amado, tinha um negócio ali que eu não sei…” Logo depois Marcia levaria Maria, 14, para Londres, e noutra dia lhe deu o On The Road (Pé na Estrada) do Jack Kerouac. Na época não colou. Maria tinha 16 anos, era solar, de bem com a vida, a angústia de cair na estrada não cabia ali. Só tempos depois, mais precisamente neste ano de 2011, mãe e filha se juntariam para falar de Londres e desse espírito de partir em busca de outras paragens e de um tiquinho do sentido da vida. As duas criaram uma série de quatro documentários de 24 minutos, Todo Mundo, exibida no canal Multishow, sobre brasileiros que vão viver na capital inglesa.

Tudo em casa: Marcia escreveu o roteiro, Maria entrevistou (“As pessoas contam a vida delas, eu conduzo, conto as histórias, é um documentário super íntimo”), o padrasto Glauber filmou, só duas câmeras, coisa pequena. Os primeiros entrevistados eram os amigos das duas: uma artista plástica que foi estudar ali, um casal que teve um filho lá, um músico bacana, uma classe média alta carioca só curtindo outros cenários. Faltava gente como o Jean Charles que foi assassinado e virou filme com Selton Mello, a turma que vive rebolando para caber na vida real. “Quem vai lá para fazer faxina, ser motoboy, ganhar dinheiro no que vier. Nós conhecemos pessoas sensacionais, fizeram um churrasco para nós e gravamos ali, foi maravilhoso ver esse outro lado, o de pessoas que vivem num miniBrasil lá e conseguem usufruir de uma vida melhor, num país desenvolvido, que dá condições para isso”, diz Maria.

Bom, as histórias se misturam. A própria Maria Flor estava em Londres a trabalho, ainda em dúvida sobre que caminho seguir, interpretando uma ficção sobre histórias humanas com Fernando Meirelles. E ouvindo tantas. Maria emocionou-se com uma brasileira de Minas, de 60 anos, que perdeu marido e filho e foi sozinha para a Inglaterra fazer faxina, mais feliz porque pode cuidar das pessoas. Maria escutou a história pessoal de Anthony Hopkins, que um dia, nas filmagens, contou como ele sofreu para se livrar do alcoolismo.

Maria foi reconhecendo, como sempre soube, que ninguém é mais igual que o outro. Filmar com o Hopkins num dia, ver a Xuxa no outro, papear sossegada no Rio com quem pintar no caminho, ela que sempre anda a pé pelo bairro, é tudo tão natural, ela é tão natural, todo mundo é igual para Maria Flor.

Até o Chico Buarque?

Ah, o Chico. Há uns cinco anos, Maria pediu a um amigo que trabalhava na produção de shows para apresenta-la ao Chico (“Meu pai tocava no violão, eu cantava, sei de cor todo o songbook dele”) no camarim. Ele a cumprimentou e foi só isso. “Fiquei arrasada, eu estava super emocionada, o Chico foi tão relax e eu ali totalmente boba”.

1 comentário (+adicionar seu?)

  1. Fernanda
    jan 09, 2012 @ 23:37:54

    Muito boa a matéria! Maria Flor é uma atriz com grande talento e versatilidade; além disso, é bela, inteligente e adorável!!

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