ISAY WEINFELD – Valor Econômico

 

 

Cristina Ramalho

Um dia o arquiteto paulistano Isay Weinfeld estava no sul da França, fazendo uma casa para uma milionária muito famosa, e ela, agradecida pelo trabalho e a generosidade dele no dia-a-dia, convidou-o para um almoço. Coisa pequena, ali perto, casa de campo, mas que ele fosse tranqüilo: os convidados seriam poucos, só gente boa. Isay aceitou. Descobriu, ao chegar, que o anfitrião era Sir Norman Foster, o inglês paparicado como um dos arquitetos mais importantes do mundo. Ao lado, o príncipe Albert de Mônaco, e no restante da mesa a turminha era desse naipe de artistas, ricos célebres, o fino. O sol estava bom, o cenário, espetacular. História para contar para os netos. E era real.

Para quem nunca morou fora do Brasil e foi estudar arquitetura porque lhe parecia o único curso aberto o suficiente para abrigar suas preferências, do denso Ingmar Bergman à estilista da pá virada Vivienne Westwood, do meloso cantor Chris Montez ao torresminho e à cachaça, a reação espontânea foi sorrir agradecido com as surpresas da vida. “A arquitetura me levou a lugares e situações inimagináveis, e isso me dá um prazer imenso”, fala Isay, sorriso elegante. Ele não faz alarde. Seu estilo é assim enxuto, apurado, sem deslumbre. E igualzinho acontece num dia de sol na França, no futebol, nas pequenas e grandes ternuras, na arquitetura de Isay sempre surge o tal do elemento surpresa.

As casas assinadas por Isay Weinfeld, tanto as de milionários quanto aquelas que ele cobra muito abaixo do preço quando reconhece uma boa causa, vêm com enredo e justeza poética, para os moradores se sentirem personagens do que pode pintar por ali. Isay faz brincadeiras sensoriais, aberturas inusitadas para muita, muita luz, corredores que levam aos sonhos. Nada disso a gente vê da rua. A entrada é discreta, quase camuflada na mistura urbana, como a sussurrar para o visitante que fundamental é mesmo a graça da descoberta. “O que me importa é fazer as pessoas felizes”, diz o arquiteto.

Veja você a Casa d’água, com seu espelho d’água e a cortina de cordas que pende no ar, ou a calma de verão que é a Tijucopava de janelões abertos, um barco a flutuar de tão leve, e tem a lindeza que ficou a atualização da Fazenda Três Pedras, todas tão diferentes. Em comum, têm a capacidade de inspirar grandes roteiros e, a gente imagina, devem ter ajudado um bocado a dissipar maus momentos dos seus privilegiados habitantes. Podem agora ser vistas e comparadas no livro Isay Weinfeld, uma compilação das suas residências mais bacanas, com textos do arquiteto e designer americano Raul Barreneche, que a Editora Bei lança amanhã (dia 29)em São Paulo.

“Como um cineasta ou um diretor de teatro, ele quer conduzir o visitante por uma seqüência específica de experiências táteis, visuais e espaciais, que vai da introdução contida ao gran finale”, escreve o autor sobre Isay, a quem chama de moderno homem do Renascimento, por suas mil atividades. Você já deve saber, mas não custa repetir: Isay, 56, arquiteto premiado e coberto de elogios, além de ter criado projetos que são postais da São Paulo de estilo, como o Hotel Fasano e as lojas Clube Chocolate e Fórum, foi diretor de vários curtas e de um longa gozadíssimo, Fogo e Paixão, feito em parceria com o grande amigo Marcio Kogan. O filme tinha Cristina Mutarelli, Fernanda Montenegro e Rita Lee no elenco. Isay ainda bolou exposições e assinou cenários de teatro, como o da peça A Cabra, de Edward Albee, agora em cartaz, dirigida por Jô Soares.

O tímido Isay sempre gostou de contar histórias à sua maneira. Enxergou, desde menino, mais charme na paisagem humana do que nos prédios urbanos. Em vez das curvas sensuais de Niemeyer ou do modernismo paulista de Artigas e Paulo Mendes da Rocha, ele se ligou no lado pop do mundo, na filosofia de Andy Warhol, no rock inglês. Quando entrou no Mackenzie para estudar arquitetura, nos anos 70, era um garoto de cabelos compridos até os ombros (“Ninguém vai acreditar, mas já tive cabelo”, ri), com uma mecha prateada, olhava no espelho e se enxergava o David Bowie na fase Ziggy Stardust. Assistiu Ingmar Bergman e sua visão das coisas mudou. “Fiz casa inspirado no filme O Sétimo Selo”.

Vai ver nem é por acaso, mas Bergman é a grande paixão do cineasta Woody Allen, judeu, auto-irônico, econômico no falar de si mesmo e discreto no guarda-roupa – como o próprio Isay. Já Isay, tal qual Woody Allen, chegou a seu modo naquela altura invejável da vida de só fazer o que lhe agrada. Quando alguém gesticula em exibicionismos sobre seu nome, ou simplesmente o santo dele não bate com os desejos de um potencial cliente, Isay educadamente recusa o trabalho. “Primeiro tenho de conversar com o cliente e ver se posso ou sei fazer o que ele quer de mim. E então vejo se eu quero pegar aquele projeto. Se não acho que é o caso, recomendo outras pessoas”, diz.

Antes que os mais apressados insistam em classificá-lo como um desses gênios que fazem lares para poltronas de design e esquece quem mora neles, ele já corre para desmentir. “Acho um absurdo não querer que alguém mexa no projeto. Quem mora na casa é que sabe dela, que sente o que precisa, acima de tudo eu respeito as pessoas”. Por isso mesmo, diz, não se repete: cada morador tem de se reconhecer no espaço criado. Cabe a Isay traduzir a história em forma e função. Arejar o cotidiano. Quer um exemplo¿ A casa de Iporanga, que ele fez para uma família árabe, usa muxarabis (espécie de treliças típicas do Oriente Médio) nas janelas, o efeito é de luz e sombra, brisa para aplacar o calor da praia. E carrega a memória afetiva no traço.

“A arquitetura virou um grande show, os nomes famosos fazem coisas grandiosas, não é o meu estilo”, fala Isay. Na hora de citar seus favoritos, puxa um livro da dupla de japoneses Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa. “O que conta, para eles, é a força das idéias”. Idéias, aliás, não parecem faltar para Isay: acaba de criar a loja exclusiva das Havaianas, está desenhando o novo Rodeio do Shopping Iguatemi, terminando um hotel em Belgrado, ajeitando uma casa no Caribe, mal desligou do computador o projeto pronto do edifício 360 graus, no Sumaré, que terá apartamentos de todos os tamanhos, com varandas imensas, abertura para o mundo e para mais qualidade de vida.

Nas horas vagas, ele cozinha e gosta de comer com a filha Paula, atriz, 27 anos. E viajar. Ama a Inglaterra, pelas casas com jardins internos, pela música, pela moda, pela liberdade no ser e pensar. Sua nova descoberta, agora, é a Ásia – anda fascinado com o Laos, o Vietnã, o Japão. Sim, a arquitetura leva a lugares e situações inimagináveis, coisa que ele repete para a sua equipe, mistura de profissionais experientes com moçada pronta para o inesperado (“Escolho os assistentes pelo currículo, mas muito mais pela fuça, o papo cara a cara”). A arquitetura leva Isay às novidades nos dias que surgem, no almoço chique, na conversa distraída, na cachacinha, no filme que alguém recomendou. Viu Control, sobre o roqueiro Ian Curtis. Ganhou esse DVD de um grande amigo, músico de uma banda das boas: a Radiohead.

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